segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Hiperfoco

Ela estava digitando freneticamente, quando a chefe, a maldita chefe, passou a incumbência maluca:
_"Você terá que fazer a apresentação de cinco de nossos clientes que não irão ao congresso super importante em Brasília, montará as apresentações e as fará para um público seleto e exigente na casa de nosso maior cliente, aquele que mantém a nossa empresa."

Ela disse tudo isso, não com essas palavras exatas, mas era isso, falou por telefone mesmo, assim que ficou sabendo, o congresso seria em exatos três dias...

Então ela estava histérica e ansiosa, hiper concentrada no que seria uma de suas apresentações, e só quem já trabalhou com powerpoint sabe como este trabalho é minucioso.
Desde que ficou sabendo da empreitada vivia em hiperfoco, pra quem não sabe, é um tipo de foco que esta associado a pessoas com déficit de atenção, probleminha desagradável que ela sabia que tinha.
E então neste estado tudo passa a ser secundário, o importante é tão somente o objeto do foco.
Neste momento entra na sala a irritante e eficiente secretária da chefona:
_"Não vou comprar suas passagens e reservar o hotel para a sua viagem a Brasília, você terá que fazer isso, ok? Seu voo e hotel já estão escolhidos."
_"Ok." _ Responde ela rapidamente, e nos dias que se seguem digitando e estudando desesperadamente para dar conta do recado, esquece totalmente que passou por esses poucos segundos de informação vital.

No dia da tal viagem acorda de madrugada, mas não é cedo o suficiente, se desespera, tem que ir a uma reunião com uma cliente gringa antes de ir ao congresso, logo pela manhã. Não sabe o que houve, programou o celular direitinho, fez tudo certo como sempre e ele não tocou. Corre para o telefone, tenta contratar um taxi, não há taxi algum nas imediações aquela hora. Espera e espera, até que não aguenta mais, e mesmo tendo recebido ordens expressas de não utilizar o próprio carro para ir ao aeroporto e assim ter que deixá-lo em pernoite de mais de um dia no estacionamento caríssimo, vai.

É uma segunda-feira, mas não qualquer segunda-feira, é aquela em que o prefeito decretou que as pistas da direita das principais avenidas seriam agora exclusivas aos ônibus, ela que estava mergulhada no trabalho sem ler notícia alguma, não sabia.
Um trânsito monstro antes das seis horas da manhã... só podia ser loucura,  mas sim, era verdade e ela chegou ao aeroporto quando seu avião já taxiava.

Saiu correndo e comprou uma passagem com seu cartão de crédito, não sem ficar com muito medo de ter que pagar pela despesa enorme, além de perder o emprego.
Não conseguiu acompanhar a tal cliente gringa à reunião importante.

Suas apresentações seriam no dia seguinte, então ela assistiu a outras apresentações tentando tatear o terreno em que pisaria, e exausta pegou um táxi rumo ao hotel, o mesmo que sua chefe ficaria e já era uma velho conhecido da empresa.
Chegando lá mais uma surpresa, não havia reserva... como assim?!
Ligou pra Deus e o mundo, falou inclusive com a chefa da chefa, a grandona que morava em Miami, e depois de muita correria, conseguiu um quarto.
Estava pensando na secretária_ Será possível tanta incompetência?! _ esqueceu-se completamente daquele momento que vocês já sabem.

Já noite no quarto de hotel, tentava se concentrar em suas apresentações, procurava erros ortográficos, revisava tudo mil vezes e estudava. Foi quando recebeu mais um telefonema:

_"Um de nossos clientes perdeu a conexão, você terá que fazer a apresentação dele."_ disse a chefe.
_"O quê?!!"
_"É isso, monte esta apresentação agora!"

Correu até o computador como uma doida, o coração aos pulos e fez o que seria a sua sexta apresentação.
 Já tarde da noite a chefe liga novamente:
_"Preciso entregar dois contratos que serão discutidos com a presidência, providencie-os para amanhã as oito horas da manhã."

Acordou as cinco horas da manhã, tomou um banho e colocou a roupa que já estava preparada com capricho, porque ela era caprichosa, ao menos procurava ser. Tomou o café apressadamente e pegou mais um táxi rumo a sede governamental onde se daria o tal congresso muito importante.
Chegou tão cedo que só havia a equipe de limpeza preparando tudo. Montou o computador, procurou uma impressora, muniu-se de telefone e vontade.

A chefona americana chegou pontualmente as oito horas da manhã, sorriu amigavelmente ao vê-la trabalhando freneticamente no auditório. Ela sorriu rapidamente de volta e não parou, detestava interrupções quando trabalhava, e correndo para grampear os contratos, entregou-os dentro do prazo.

As apresentações correram bem, quando estava sobre o palco algo de muito mágico acontecia, dominava aquele ambiente e ficava segura_ coisa rara em sua personalidade vacilante_ as perguntas eram feitas e respondidas com simpatia e precisão, havia um buraco no palco onde antes devia existir uma tomada, e ela enfiou o salto umas duas vezes, cambaleando sem nem ao menos se importar ou olhar a plateia com timidez.
Ignorou sumariamente a presença de suas duas chefes que supervisionavam cada movimento, brincou nas apresentações, divertiu e informou seus ouvintes, e ao final de um dia inteiro de palestras foi aplaudida de pé.

Quando voltou para a sua cidade satisfeita e um pouco mais segura, recebeu uma advertência por escrito e nem ao menos um parco elogio, pelo contrário, haviam palavras injustas e duras naquele papel que teve que assinar, soube que o voo que perdera na realidade nunca havia sido reservado e que o erro fora de sua total responsabilidade, e mesmo ouvindo tudo aquilo, demorou muitas horas até se lembrar daqueles segundos fatais três dias atrás.

Revoltou-se e procurou controlar a explosão que estava surgindo, mas não conseguiu, após assinar a estúpida advertência, jogou-a a mesa da chefe que sentada olhava-a com superioridade e disse:
_"Isso não mudará nada!"_ e dizendo essas palavras saiu rapidamente para não chorar, deixando a chefe atônita.

A chefe nunca soube o real significado dessas palavras, ela sinceramente quis lhe dizer que erraria mais uma, duas, mil vezes, como sempre aconteceu, e que a assinatura de um papel, uma bronca ou coisa parecida, não eram capazes de doutrinar-lhe o cérebro arrogante, prepotente, genial e vacilante.

Após este episódio, deixou de ser olhada como uma promessa e passou a ser vista como um problema.
Problema este que eles eliminarão ainda esta semana.
Sem conseguir dormir ela chora e escreve, desabafa sobre o velho teclado conhecido, pois somente ele não é capaz de julgá-la a incompetente que ela sabe que não é.
E chorando frustrada, termina o texto sem querer terminar.












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